Na minha tenra infância, quando aprendi a responder que dia era o meu aniversário, começei a achar ótimo ter nascido no começo do ano, a primeira em casa a ter bolo e guaraná, muito doce e parabéns!!! Lembro da minha avó dizendo, como se isso fosse uma vantagem colossal, que eu tinha nascido no dia da posse de Figueiredo - o último general a presidir o Brasil, cujo governo aboliu o sistema bipartidário, realizou a anistia política dos militares e perseguidos políticos e assolou o país em dívidas. Por algum tempo, quando as posses dos governantes aconteciam no dia quinze de março, era comum encontrar as pessoas sentadas de frente pra televisão, para assistir o "grande" acontecimento, para só depois me cantarem os parabéns.
Na adolescência, nascer em março significava pra mim ser do signo de peixes: a famosa menina sensível e sonhadora (Alice, por natureza) que chorava por qualquer coisa e se entregava facilmente às inúmeras paixões colegiais; sofria por dias, escrevendo poesias e criando altares para o misticismo. Que menino queria namorar uma menina que parecia querer casar no próximo dia? Culpa do zodíaco, eu pensava. Mas com o tempo, eu percebi que a sensibilidade em mim se firmava como qualidade. Através dela, eu podia escrever, desenhar, pintar, cantar... podia fazer amigos facilmente e amar o outro com demasiada ternura e compaixão.
Eu ria incessantemente; Eu acreditava na natureza, no cosmos e no amor. Com o tempo, eu atraía gente e ter gente por perto tornou-se uma de minhas características, porque através dela, eu formava rodinhas de violão pra cantar Raul Seixas, Marisa Monte, Engenheiros do Havaí e Legião Urbana. No entanto, eu tinha meus momentos de solidão, em que eu deitava no chão do meu quarto e viajava, literalmente, ouvindo Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin. Chorava cantando, sem saber por quê... Tornava-me hippie por essência, admiradora do woodstock e das causas sociais, costurando em mim o lema da paz e do amor. Entretanto, que incoerência - a gente parece mesmo ser feita de contradições - eu era impulsiva e explosiva: ai de quem me atrapalhasse, ou risse de mim. O meu gênio furioso deixava transparecer uma das características negativas da minha ascendência em touro, o rancor.
Hoje não digo que mudei, mas, felizmente, amadureci. Todos esses sentimentos fizeram de mim uma mulher como as outras, independente de signos, ascendências e superstições. Isso me fez lembrar agora daquela música que eu amo "São as águas de março fechando o verão...", anunciando sempre um novo dia, um novo ano, um novo ciclo, pois clama em mim o desejo de amar e de viver intensamente, tocar o mistério, compreender as imperfeições, declarar o "carpe diem"!
Dizem os calendários que o dia quinze de março é o dia da escola e do consumidor. Coincidência ou não, eu me tornei professora e uma boa consumista nas horas de depressão. Pensando assim, bem que esse dia podia ser o dia da riqueza e da sabedoria, mas vale mais o reconhecimento do meu filho Luis Felipe, que declarou o dia quinze de março como o "dia de Alice"! Já que, segundo ele, o "dia da melhor mãe do mundo"! Bem que eu gostaria de merecer esse título, mas vindo de alguém que amo incondicionalmente, já valeu ter nascido neste mundo, independente do dia!
Alice Xavier