"EDUCAÇÃO: Seleção feita pelo MEC indica que cursos com piores notas são os que formam professores.
Alunos com baixo desempenho viram professores.
A profissão de professor é a última opção nos vestibulares e cada vez mais atrai jovens mal qualificados e com grandes deficiências na sua formação escolar. Questionário aplicado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano passado revela que quem pretende ser professor no Brasil tem baixa renda familiar e tirou nota 20 na prova – numa escala que varia de 0 a 100." (O Popular, reportagem de capa, 07 de fevereiro de 2010 - Goiânia-Go)
É triste constatar: Infelizmente, é essa é uma verdade no Brasil inteiro. Como professora (há mais de 10 anos) em escola pública, eu gostaria de conviver com uma outra realidade no âmbito da educação brasileira. É vergonhoso. A culpa, dizem, é dos professores.
A escola pública conta, principalmente, com alunos de baixa renda. Como se isso não bastasse, oriundos de famílias totalmente desestruturadas, economicamente, socialmente, culturalmente... Famílias desrespeitadas e excluídas pelo governo e pela sociedade, desempregadas, sem atendimento adequado na área da saúde etc. Indivíduos gerando indivíduos dentro do tráfico, da violência, em casas sem valores, sem princípios e sem religião...
Pais e mães, que por falta de tempo - ou não - abandonam seus filhos, nas mínimas coisas como pentear o cabelo, escovação dos dentes... Quando o problema não é a falta de dinheiro, trocam uma alimentação saudável por porcarias e drogas no meio da rua. Obrigam, muitas vezes, seus filhos a pedir esmola na rua, ao invés de incentivá-los a estudar, a transformar suas vidas, suas histórias.
O que são valores para estas famílias? Culpá-las? Por que? É essa a realidade delas. Não conhecem outra. Mandam seus filhos pra escola pra se verem livres deles. E quando a escola as chamam, pais e mães (ou "responsáveis") tem sempre a mesma resposta: "Eu não dou conta deste menino(a). Vocês é quem tem que dar!" Quantas vezes ouvi isso.
Já vi criança de seis anos praticar sexo dentro da escola. Já vi usarem drogas. (Não vou dizer o que vi com adolescentes.) Já vi criança machucada, espancada, humilhada. Já apanhei de aluno, já ouvi palavrões, fui violentada verbalmente com termos sexuais horríveis. Já tive aluno assassinado, preso, bandido.
Já ensinei muito, já virei psicóloga, quando não atriz, palhaça, cantora. Tentei mudar um mundo, uma realidade, em vão. Adianta? Aquela história de "fazer a minha parte" vem me frustrando. Quem sou eu num mundo como esse? Acabo sendo ameaçada de morte por querer ensinar o aluno a ler, a criticar, a ser melhor. Quem me ameaça? Não! Não é o aluno! É o próprio sistema!
Já tive coragem, já perdi as forças! Todo santo dia me ergo novamente e tento fazer minha parte. Nas escolas, os alunos passam sem saber. Entram com dificuldades cognitivas - além de outras - deficiências no histórico escolar, faltam aulas, sofrem em casa, não são acompanhados pela família, apresentam problemas de disciplina, não lêem, não estudam, passam sem saber. A culpa? É do professor. E aí? Passam de uma série pra outra sem saber. Saem da escola municipal e vão para a estadual. De repente, alguém da secretaria da educação solta (talvez sem querer, rs) - depois de tentarmos discutir a questão de "passar sem saber": "O que ele vai fazer com esse diploma na mão já não é mais problema nosso!". Seria hipocrisia dizer que senti vontade de chorar... Pra que brigar? O que adiantaria? Eu ouviria mais um milhão de argumentos ridículos, incoerências, ambiguidades e nada resolveria os problemas da educação no Brasil. Somos obrigados a nos calar. A aceitar. A tapar os olhos e esperar a "morte" chegar.
(Como se não bastasse, inventaram aquela história de "Amigo da Escola". Estão jogando a responsabilidade nas mãos da própria sociedade. De mim, querem caridade. No entanto, não sou "amiga" da escola, sou profissional da educação.)
Há aqueles que querem uma vida melhor. Há aqueles que sonham com uma faculdade, tentam o vestibular. Que curso escolher? Licenciatura, claro. É o mais fácil de passar. Aliás, quem, em são estado de consciência, hoje em dia, quer ser professor? Não há mais sonhos. Foi-se o tempo em que garotinhas brincavam de escolinha e sonhavam ser professoras. Alunos "melhores" querem mais. Procuram a profissão que lhe garantam um futuro, prosperidade, status até. Procuram uma profissão que lhe rendam um bom concurso público, com um salário invejável.
Arrependo-me, confesso, de ter sido essa a profissão que escolhi, porque foi esse o sonho que tive desde os cinco anos de idade. Podia ter sonhado melhor. Poder hoje dar uma vida melhor aos meus filhos, não ter que trabalhar tanto pra sobreviver.
Que salário ainda posso almejar? Nem o que é meu de direito - novo piso salarial do Governo Lula - meu "chefe" não paga. O que fazer? Perder noites de sono, momentos incríveis que poderia passar com meus filhos, perder as suas fases maravilhosas de vida, pra estudar muito. Não vou esperar o tempo passar e envelhecer como tantos colegas, doentes, iludidos e mais pobres ainda. Pobres de esperança. No que se tornaram? O que mudou em suas vidas desde o dia em que começaram a trabalhar? Vou estudar e tentar encontrar um caminho melhor pra minha própria vida.
Quanto aos meus alunos, aos alunos do Brasil, só me resta rezar!
Protesto em meu simples blog, pra deixar registrado, a minha indignação. A minha revolta. A minha vergonha de ter lido essa VERDADE estampada na capa de O Popular. No entanto, ainda resta-me uma pergunta: Que novos alunos se formarão com os novos professores?
Alice Xavier
Nova: Este artigo foi publicado na sessão Carta ao Leitor, Jornal O Popular, do dia 10 de fevereiro de 2010.
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