quarta-feira, 10 de março de 2010

Fazendinha da vó Raminha











Cheiro de flor
é canto de bem te vi
na porteira

em dia de chuva
a gente sente
perfumar tudo

grama molhada
lama
flor machucada

barulhinho ruim
aquele
da porteira abrindo

dia de chuva
a gente sente
escuta longe

bem te vi cantando
porteira
gado no curral

olha o tempo na varanda
sente o cheiro do pito
do vô

tudo é cheiro:
o do pito dói nas narinas

água de coco
coquinho que não sei o nome
siriguela

cavalo manso
pé de goiaba
tanto o que fazer

vovó enche o saco de farinha
anda com teus passos gordos
faz biscoito até o meio dia

cheiro de queijo
de polvilho
de bolo de arroz no forno

Rita, o feijão tá queimando!
Refoga o milho
Brasil quer café!

acordo cedo
caminho na estrada
até a represa

saudade do leite tirado na hora
às cinco da manhã
ouço gritos

meninada correndo
de cocota* presa na porta
por uma linha comprida

vontade de voltar pra cidade
e assistir televisão

vontade de voltar pra fazenda
e escrever poemas
de sertão

vontade
saudade
silêncio
cheiro
fumaça
barulho
trovão
cachaça
naftalina
retrato
carta
porteira
cinzeiro
grilo
morcego
córrego
laranja
galinha
cozinhadinha
panela queimada
bica
paçoca
cural
milho verde
chuveiro gelado
banho de bacia
pedra sabão
baú
cama de meu pai...

de repente...
cheiro de flor.

Alice Xavier
______________________
*cigarra

3 comentários:

  1. Seu texto desperta tantas sensações que até em mim dá saudades da fazendinha da vó Raminha.

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  2. Nossa que poema lindo! A nossa cara! Vc escreve muito bem minha linda! Saudades do nosso passado! TE amo, Di

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