O que é a leitura?
Perguntaram-me tantas vezes durante a faculdade.
Respostas prontas, eu sabia,
mediante conceitos dados por inúmeros pensadores
da educação, dos homens, do mundo.
No entanto, eu não sabia o que era leitura
Nem ao menos o que era ler o mundo
Sentei-me numa pedra
Distante de casa
E enxerguei o pôr do sol.
Daquela cena, fiz um poema
Bonito, rimado
Cheio de metáforas e jogos com as palavras
Mas eu ainda não sabia o que era leitura
Li poemas de Manuel Bandeira
Adélia Prado, Fernando Pessoa
E neles fiz meus poetas favoritos
Li romances de José de Alencar
Machado de Assis, Gabriel Garcia Marquez
E tantas vezes me decepcionei
Porque não li o final que eu esperava.
E eu não sabia o que era leitura.
Li jornais, li revistas, li bula de remédio
Li placas na contramão
Li as cartas que os amigos me enviavam
E as cartas que o meu bisavô escrevia
E eu não sabia o que era leitura.
Li tanto e tantas vezes não entendi nada
Voltei e li novamente
Dispersei-me com a conversa de minhas irmãs
Tomei remédio pra me concentrar
Fechei a porta do quarto
Algumas vezes, o silêncio
Outras tantas, música pra acalentar a alma
E eu me perdia nas histórias
Pra de repente me encontrar
No país das maravilhas.
Eu chorava e ria
E o meu mundo
era somente o livro que eu lia.
Quantas vezes eu achei que minha vida
Era somente aquela história finita...
Quantas vezes eu tive a certeza
Que a minha vida dava uma história de livro...
Mas eu ainda não sabia o que era leitura
Fui lendo tudo
Tudo o que encontrava
Lia as legendas de filme
E nos filmes eu me inspirava
Corria pro papel e
escrevia alguma coisa de mim mesma.
Lendo os filmes
Eu achava que sabia o que era leitura.
E continuei lendo e escrevendo
Inventando e me encantando
No entanto... descobri ,com o passar dos anos,
Que eu ainda não sei o que é leitura.
Quem diz que aquele rapaz ali sem fazer nada
Bebendo com os amigos
Entorpecendo-se com seus vícios
Não sabe o que é leitura?
Quem diz que aquela senhora
Entretida com seus bordados não sabe o que é leitura?
Quem diz que aquele senhor
De chapéu preto
E sacola da feira na mão não sabe o que é leitura?
Quem diz que aquele pai
Que leva seus filhos pra escola
Na garupa de sua bicicleta
Não sabe o que é leitura?
Quem diz que aquele menino
Vendendo bala no trânsito
Não sabe o que é leitura?
Quem diz que aquela mãe
Que vela seus filhos à noite
Ou anda ao seu lado
Dia após dia
Pra lá e pra cá,
Não sabe o que é leitura?
E de repente...
Vejo-me lendo o mundo
Vejo-me na leitura dos homens
Que decorrem de um poema
poema de amor de encanto
caso de ternura
Ou daqueles que
cantarolam qualquer música
Ao final do dia
Pra espairecer
Respiram fundo pra não chorar
Ou pra sorrir
Ou pra dizer a palavra mais linda
Que encontrou,
ao ser amado tão belo
e tão cansado do dia da vida dos sonhos
Surpreendo-me com a leitura
Dos jovens
Que interpretam a vida
Cada um do seu jeito
Cada um com sua esperança
Leio o olhar de meu avô
E não consigo nunca escrever
a vida que ele construiu.
A história que ele deixou.
Minha avó, dormindo na cadeira,
Lê a saudade
Dos tempos em que corria pra janela
Pra ver se o homem de sua vida
Já chegava para o almoço
Ele ou ela, na capacidade de homens,
Leem o tempo, leem os sentimentos
Leem o sol, a chuva, o vento...
E cada um com sua leitura
Apresenta todos os dias
A sua própria poesia
De palavras inventadas
E musicada nos versos
Da alegria
E do desejo de ser sempre
Um bom e simples leitor.
Alice Xavier
Lindo, lindo, lindo!
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirque lindo isso!
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