sexta-feira, 22 de abril de 2011

Semana Santa



Quando criança, eu acompanhava minha avó nas andanças pela Igreja. Novenas, orações, visitas e procissões. Missas durante a semana, festas de Trindade, canções. Cresci nas catequeses, de Biblinha na mão, terço na cabeceira da cama, novenas de Natal e luz de vela. Aprendi a acreditar na morte de Jesus como minha e a renascer com Ele ao final das quaresmas. A queimar os velhos sentimentos e a ressurgir do fogo. O mito do sacrifício me percorria, me ungia o peito, e eu, devoção e lágrimas. Com o tempo, questionei a Igreja, seus dogmas, suas regras, seus rituais. Sofri quando questionei Deus, sua existência e todo a cosmogonia católica. Abandonei minha vó nas suas perigrinações até o Altar. No entanto, Deus estava presente em mim. Ainda buscava por Ele como meu sustento, meu ar, a força que me faltava, a solução para meus problemas. Talvez NEle eu encontrasse meu pai, ainda a me abençoar, a me amar. Conheci o espiritismo, o kardecismo e os centros de umbanda; os anjos e seus mistérios, os rituais do amor, as velas e os incensos; a universidade e os movimentos estudantis, a cerveja, o cheiro da droga que, felizmente, recusei a usar. Apaixonei-me tantas vezes e amei, e me embriaguei ouvindo The Doors, Live, Bush... as óperas, as músicas eruditas. A música enfim, tocada e cantada por mim num sentimento mórbido, mas sincero. Sofri por amor, por ser diferente na minha família, porque vivia num mundo que só a lua habitava. Mas eu lia os salmos e acreditava. Eu sentia Deus.
Conheci meu marido e com ele, sua crença, baseada nos mistérios da oaska e me perdi ali por um tempo, porque queria fazer parte de seu mundo, respeitar sua vontade. Perdi-me porque conheci a pior das depressões, das dores de cabeça, dos choques nos ouvidos, das alucinações. Perdoe-me quem acredita, amigos e familiares do meu marido, mas esta é a minha opinião. Um dia fui com meu padrinho - pai que ganhei ao longo da vida - ao alto do São Francisco na cidade de Goiás, dar início à procissão do fogaréu. A emoção que senti foi inigualável e é inesquecível. Ali descobri: meu mundo estava ali, minha crença, meu sangue com a tocha acesa entre a procissão. Por causa do chá, quase perdi meu filho pelas entranhas, com sangue e dor. Loucura, decidi por mim.
Depois de casada, com o Thiago nos braços, alívio. Abandonei a tal religião e voltei a ser eu. Voltei a frequentar a Igreja e passei a separar o que eu não concordava e o que eu não acreditava do que realmente valia pra mim. Com o tempo, meu marido me acompanhou, embora não tenha esquecido suas origens e nem é isso que eu desejo. Caminho com meus filhos pelo caminho de minha avó, porque não quero que eles conheçam os caminhos árduos por quais passei. E eles vem aprendendo a também ter fé, o que é alívio para uma mãe, que não poderá protege-los para sempre.
Enfim... Eu tenho fé e me orgulho disso. Levo comigo o que aprendi com o espiritismo, como a reencarnação e as coisas do espírito e, embora eu conheça os mitos e estude filosofia, história, literatura, ..., questionando sempre a veracidade da Bíblia e da Igreja, eu sei sentir Deus. E preciso da religião pra ter força, apoio, fé viva. Como disse, eu sei separar as coisas. Ainda me emociono no caminho das procissões e desejo morrer com Cristo pra renascer novamente, alguém melhor, mais feliz, com mais amor e menos preocupada comigo mesma, em busca da felicidade que está naquilo que Deus me ensinou: amar ao próximo como a mim mesma e a Deus, sobre todas as coisas.

Feliz Páscoa!

Alice Xavier

terça-feira, 19 de abril de 2011

Tem dias que a gente chora





Tem dias que bate uma tristeza. Sabe aquele sentimento porco de inutilidade? Então... fico pensando no que é que sou útil pro mundo, pra humanidade, para meus amigos e minha família. Frustração! Tem horas que a gente precisa de reconhecimento sim, de ser valorizada, pela sociedade, pela família. Acabo não acreditando que eu tenha feito as escolhas certas. E o que mais eu posso fazer? O que eu sei fazer? Nem eu sei. Tento descobrir fazendo o que gosto. E aí a velha baixa auto estima, ancorada no fim do meu poço, me faz pensar que fracassei. Acho que o que me sustenta é a minha qualidade de sonhadora, de quem tem esperança. Odeio o lugar de vítima e o consolo "tadinha". Quem me dera se minha voz pudesse alcançar a realização plena, mas já estou rouca de tanto gritar, aqui comigo mesma, pra minimizar essa insegurança medonha, na minha ânsia pela vida, pela vontade de transformar tudo, de fazer história. Mais uma vez eu continuo, sempre em frente, nessa estrada batida, tentando mudar o mundo e, de vez em quando, me virando do lado avesso pra recomeçar. E embora, com o tempo, a vida escorra pelos dedos, e os velhos sonhos se percam na poeira afora, tenho certeza que não foi por acaso, eu.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Massacre na Educação Brasileira


O Brasil hoje sofre mais um ato de violência. Poderia ter sido em um cinema, em um clube ou em qualquer outro lugar. Não foi a primeira vez e, infelizmente, não será a última. Psicopatas, psicóticos, bandidos, estupradores estão espalhados pelo mundo afora, convivem em sociedade, frequentam os mesmos lugares que nós. A violência no Brasil é escancarada e atinge nossas comunidades e nossas vidas e já não sabemos mais em quem confiar. Mas de quem é a culpa? Será que é só destes infelizes que atiram contra crianças indefesas? Não! A culpa maior é de um sistema corrupto, interesseiro e permissivo, que massacra diariamente população brasileira, às vezes até, silenciosamente, mascarando os verdadeiros assassinos, a verdadeira origem da crueldade humana. A educação brasileira, por exemplo, vem sendo massacrada. Em primeiro lugar, não há segurança nas escolas. Qualquer pessoa pode entrar e sair, bater ou matar, sem que se possa fazer nada. Os alunos são tratados como vítimas. Eles podem "tudo" e qualquer ato de violência por parte deles é tratada como "fruto de um trauma de infância", ou de suas péssimas condições de vida. Somos obrigados a "compreendê-los". Muitos roubam, agridem, perseguem,assediam e não são punidos por isso. Os professores são obrigados ao silêncio. Não podem "constranger" os estudantes e são ameaçados a perder o emprego. Os outros alunos também não denunciam. "Os pais cobram "notas", mas cobram dos professores, não dos filhos - que ironia. Quem neste mundo não tem traumas? Por que não são educados a lutar por seus objetivos, a respeitar e a enfrentar os seus próprios problemas? Por que a sociedade não consegue identificar esses assassinos como futuros "problemas" e por que as escolas tratam os alunos como "coitados", "sofredores" e "carentes", quando eles deveriam ser tratados como iguais, como cidadãos capazes de estudar, trabalhar e transformar? Por que os inocentes devem pagar por toda essa violência? Vivemos com medo, um medo gigantesco e racional. Até quando choraremos por esses "brasileirinhos", num país que tinha tudo pra ser um exemplo de humanidade? Porque o brasileiro, fruto dessa cultura educacional, é assim: solidário, mas até semana que vem, quando tudo cai no esquecimento e todos voltam pro seu mundinho fechado, cruzam os braços e deixam tudo como está.


Alice Xavier

terça-feira, 5 de abril de 2011

Meus leitores favoritos


Eu tinha medo de que meus filhos não gostassem de ler. Que não se encantassem com as palavras, as fantasias e todo universo imaginário. E por isso começei a ler pra eles, já na gestação. Contava-lhes histórias. Lia contos de fada e deixava Bach conduzir a trilha sonora, num radinho antigo próximo da cama. Já em meus braços, as histórias continuavam: reis, fadas, magos, bruxas, castelos e jardins. Pássaros encantados, deuses, heróis, beijos e sapos. O Luis se agitava, o Thiago se acalmava. Ambos gostavam.


Quando o primeiro aprendeu a escrever, fazia pequenas historias e as ilustravam em quadrinhos. Hoje, é apaixonado pela mitologia grega e lê fascinado as histórias que a contém. Um livro por dia, mesmo com déficit de atenção e difuculdade pra se concentrar na leitura. Admiro-o na sua vontade e disciplina, sempre com um livro na mão, deitado ou sentado no seu quarto, perdido em seu silêncio, encontrando um mundo só dele. Os pensamentos em processo criativo, crítico, em pleno vôo. O livro não lhe tira do jogo do computador, nem da prática de desenhar ou ouvir música. Surpreendi-me esses dias com uma fábula, escrita do próprio cunho e, mais tarde, lendo esse blog, rindo, me criticando e me elogiando, com franqueza e carinho.

O Thiago adora ouvir histórias. Adora os três porquinhos e a parte que o lobo entra pela chaminé e é surpreendido pela chama do fogo. Ama livros e histórias de bichos, leões e animais da África e não espera eu terminar a história. Levanta-se e interfere na narrativa com seus rugidos e bravas expressões, como se fizesse parte daquele mundo. Depois, ouve com atenção o fim do conto, e pede outro. Este ano, está começando a escrever. Procura as letras entre os letreiros e outdoors, os cartazes nas paredes, os livros, os jornais. Aprendeu a escrever seu nome. G só pertence a Guilherme, a nenhum outro pai. Escreveu com alegria ontem o meu nome. Mas a alegria maior era minha. A sua descoberta. A sua fascinação diante da astúcia das letras, da possibilidade de recriá-las. De repente, "e agora, mãe? Como se escreve Sarah, de tia Sarah?" Além de ser apaixonado pela matemática, e de gostar de brincar de contar, de cantar Raul Seixas, além dos bichos e dos amigos imaginários, como parte de sua realidade, ele é um leitor nato. Lê a vida com sensibilidade. Interroga-a com sabedoria.


Quem me dera ler como eles, os meus filhos. Talvez eu compreendesse melhor o mundinho deles e lhes fosse mais presente, de alguma forma. Que o mundo da leitura lhes permita entender quão importante é ser um bom leitor nos tempos de agora, pra que o preconceito e nem a ignorância façam parte de seu universo de imaginação, criação e construção da própria realidade. Para que sejam capazes de compreender o outro, respeitar as diferenças, iluminar, sonhar e amar.


Alice Xavier

domingo, 3 de abril de 2011

De todo coração

Imagem: Miguel Anselmo

No coração
a carne sangra
facas amoladas descansam sobre a mesa

de dentro dele escorre o vento
a derramar as folhas do último outono

da boca suspiram os sentimentos
todos dilacerados
salgados
pelas lágrimas que descaem pelo rosto

assim como os lagartos,
depois de um tempo
ele se regenera,
o coração

mas jamais será como antes:
dos cortes,
a cicatriz
e no peito, jaz pequenino.

Alice Xavier