Quando criança, eu acompanhava minha avó nas andanças pela Igreja. Novenas, orações, visitas e procissões. Missas durante a semana, festas de Trindade, canções. Cresci nas catequeses, de Biblinha na mão, terço na cabeceira da cama, novenas de Natal e luz de vela. Aprendi a acreditar na morte de Jesus como minha e a renascer com Ele ao final das quaresmas. A queimar os velhos sentimentos e a ressurgir do fogo. O mito do sacrifício me percorria, me ungia o peito, e eu, devoção e lágrimas. Com o tempo, questionei a Igreja, seus dogmas, suas regras, seus rituais. Sofri quando questionei Deus, sua existência e todo a cosmogonia católica. Abandonei minha vó nas suas perigrinações até o Altar. No entanto, Deus estava presente em mim. Ainda buscava por Ele como meu sustento, meu ar, a força que me faltava, a solução para meus problemas. Talvez NEle eu encontrasse meu pai, ainda a me abençoar, a me amar. Conheci o espiritismo, o kardecismo e os centros de umbanda; os anjos e seus mistérios, os rituais do amor, as velas e os incensos; a universidade e os movimentos estudantis, a cerveja, o cheiro da droga que, felizmente, recusei a usar. Apaixonei-me tantas vezes e amei, e me embriaguei ouvindo The Doors, Live, Bush... as óperas, as músicas eruditas. A música enfim, tocada e cantada por mim num sentimento mórbido, mas sincero. Sofri por amor, por ser diferente na minha família, porque vivia num mundo que só a lua habitava. Mas eu lia os salmos e acreditava. Eu sentia Deus.
Conheci meu marido e com ele, sua crença, baseada nos mistérios da oaska e me perdi ali por um tempo, porque queria fazer parte de seu mundo, respeitar sua vontade. Perdi-me porque conheci a pior das depressões, das dores de cabeça, dos choques nos ouvidos, das alucinações. Perdoe-me quem acredita, amigos e familiares do meu marido, mas esta é a minha opinião. Um dia fui com meu padrinho - pai que ganhei ao longo da vida - ao alto do São Francisco na cidade de Goiás, dar início à procissão do fogaréu. A emoção que senti foi inigualável e é inesquecível. Ali descobri: meu mundo estava ali, minha crença, meu sangue com a tocha acesa entre a procissão. Por causa do chá, quase perdi meu filho pelas entranhas, com sangue e dor. Loucura, decidi por mim.
Depois de casada, com o Thiago nos braços, alívio. Abandonei a tal religião e voltei a ser eu. Voltei a frequentar a Igreja e passei a separar o que eu não concordava e o que eu não acreditava do que realmente valia pra mim. Com o tempo, meu marido me acompanhou, embora não tenha esquecido suas origens e nem é isso que eu desejo. Caminho com meus filhos pelo caminho de minha avó, porque não quero que eles conheçam os caminhos árduos por quais passei. E eles vem aprendendo a também ter fé, o que é alívio para uma mãe, que não poderá protege-los para sempre.
Enfim... Eu tenho fé e me orgulho disso. Levo comigo o que aprendi com o espiritismo, como a reencarnação e as coisas do espírito e, embora eu conheça os mitos e estude filosofia, história, literatura, ..., questionando sempre a veracidade da Bíblia e da Igreja, eu sei sentir Deus. E preciso da religião pra ter força, apoio, fé viva. Como disse, eu sei separar as coisas. Ainda me emociono no caminho das procissões e desejo morrer com Cristo pra renascer novamente, alguém melhor, mais feliz, com mais amor e menos preocupada comigo mesma, em busca da felicidade que está naquilo que Deus me ensinou: amar ao próximo como a mim mesma e a Deus, sobre todas as coisas.
Feliz Páscoa!
Alice Xavier
Legal ter lido isso. Lembrei de mim em muitos momentos, principalmente, na parte da avó...
ResponderExcluirO caminho do equilíbrio é mesmo o do meio.
Boa Páscoa!
Dificilmente a gente encontra textos tão bons de ler. Parabéns pelo blog. Com certeza, estarei sempre por aqui. Um abraço,
ResponderExcluirValentinna Gaio
muito bom! visita maesdivinas.blogspot.com, abraço!
ResponderExcluir.
ResponderExcluirPela honestidade das palavras e
a beleza dos pensamentos,
borboletas e beija-flores voam
ao seu redor.
Estou seguindo o seu blog, vê
se você segue o meu...
silvioafonso
.
.
ResponderExcluirAdorei que ela tivesse ido à minha
página.
Foi e no recado que deixou falou de
flores e de cores. De Deus, de amores,
mas não deixou na parede do meu quarto
o seu retrato...
Não chorei, confesso, mas fiquei triste
o suficiente para cantar hinos, rezar
a Deus e dar esmolas aos que na soleira
da Igreja a mão me estendiam.
Ainda há tempo. O tempo urge, mas não
me bota medo.
silvioafonso
.
Alice, você escreveu nesse texto sobre a Páscoa uma das mais lindas composições em prosa que já li. Já pensou que, com base na sua história, daria para escrever até um romance? Vou seguir você para ler outros textos bons. Meus parabéns e fique com Deus.
ResponderExcluirAmada irmã planetária,
ResponderExcluirÉ a primeira vez que passo por aqui. Estava lendo seu texto e ao mesmo tempo refletindo sobre o que escreveu. Achei extremamente nobre de sua parte expor um pedaço de sua alma. Isso é para poucos.
Minha irmãzinha, muitas vezes em nossa vida terrena para chegarmos até o Grande Arquiteto do Universo os caminhos são tortuosos, choramos, gritamos, esperneamos em estradas sem começo e sem fim. Tenho certeza que hoje mais do que nunca se tornou uma outra pessoa, mais madura, mais humana, dando valor as coisas mais simples, mais ternas. A grandeza de tudo que passou e exatamente o agora, esse momento de estar aqui falando sobre isso com ternura.
Talvez dentro do livro de sua vida essa era a passagem que pagaste para o Pai Universos e o irmão tempo para chegares até Deus.
Foi enorme minha gratificação em passar por aqui e trocar essa maravilhosa experiência de vida contigo.
um abraço fraterno do
Hospital Espiritual do Mundo
obs.: Goiânia é a cidade do meu coração, estou sempre passando por ai para chegar na cidade de Abadiânia. Tem sorte minha irmã de estar em uma cidade de tanta energia espiritual.